Logo após o café da tarde, fiz uma meditação curta e então
adormeci. Na minha sala não há nada além de um tapete e um incensário. Fui p/ o
quarto onde não tenho cama, apenas um colchão de casal e um armarinho p/ guardar
as poucas roupas e abrigar o meu altar.
Dormi um sono muito profundo, e então tive um sonho, que era
muito real, até as dores eu senti. Sonhei que tinha morrido com um tiro no
coração.
Estava eu num restaurante, com amigos e jantando neste
estabelecimento. Tinha um casal de amigos, pareciam que eram casados, e mais
duas amigas, delas não me recordo tanto. De repente eu escuto o meu nome sendo
gritado lá de fora.
Meus amigos me seguraram, mas mesmo assim eu levantei e fui
lá fora ver o que estava acontecendo. Não sentia medo, nem estava nervosa, na
verdade eu estava num estado de depressão que não conseguia sentir
absolutamente nada. Na verdade não via a hora de ter que voltar pra casa e
dormir mais 100 anos, para não ter que botar a cara na rua. Para não ter que
dar satisfações a ninguém, para não ter que responder sms, mensagem em facebook
ou e-mail, também para não ter que ir ao mercado comprar pão e leite, para não
ter que me vestir de alegre e sorridente, para não ter que falar de amor, para
não ter que começar tudo de novo a cada dia, mesmo que alguma coisa se mude.
Enfim, eu estava num estado emocional em que não importava quem seja e por qual
motivo fosse, a pessoa estava me chamando, e pelo tom de voz, queria dar um fim
em mim ou em alguma situação mal resolvida. Eu só não sabia quem era e também
não fazia a menor questão de saber.
Eu estava vestida de calça jeans, camisete branco, jaqueta
de couro preta, usando um cachecol lilás e calçando botas pretas com detalhes
em prata. Estava usando óculos de grau, é melhor usar óculos de grau quando se
está em depressão, porque você pode recortar só aquilo que quer enxergar e
ainda é possível enxergar sob a armação do óculos, o que te coloca ainda mais
atrás dessa visão recortada da realidade.
Ao sair do estabelecimento, totalmente devagar, sem estar
ofegante e nem sinal de curiosidade, avistei uma mulher jovem. Estava bem
vestida e era muito bonita.
Estava chovendo muito, mas mesmo assim eu sai sem
guarda-chuva ou capa de chuva. Estava totalmente anestesiada de sensações
térmicas.
A moça estava com uma arma de fogo e começou a me acusar de
muitas coisas. Disse que eu roubei o amor dela, que eu simplesmente a usei e
depois joguei fora. Perguntava se eu lembrava dela.
De fato, não lembrava dela, não entendia uma só palavra que
ela falava. Mas entendi que ela estava muito dolorida na alma, só que diferente
de mim, ela expressa na fúria exposta e eu, expresso na fúria interna. O mundo
se explode, mas dentro de mim. Como se minha cabeça fosse explodir, os sons
começam a se distorcer, as imagens a se confundir, de repente fica tudo mudo,
em silêncio. Mas consigo visualizar as imagens retorcidas, tudo muito rápido e
ao mesmo tempo tudo muito devagar.
Ela gritava, e eu apenas enxergava com dificuldade a boca
dela com batom vermelho, se mexendo repentinamente, a boca não parava de se
mexer um segundo. Mas eu ñ conseguia mais distinguir o que era boca, o que era
os olhos, o que era os carros passando, o que era as gotas da chuva batendo no
guarda – chuva das pessoas que passavam apressadamente e depois ficavam
devagar. Meu óculos começou a ficar embaçado e piorou ainda mais para vê-la e
distinguir o que de onde.
De repente ela pergunta: - você sabe o meu nome, você se
lembra do meu nome, sabe quem eu sou, me responde alguma coisa, se mexe. Faça
alguma coisa.
Juro que eu não me recordava de nada, não sabia o que
responder à moça enfurecida. Mas ela dizia que ela nunca se esqueceu do nosso
momentoe me cobriu com um olhar
terno com afeições de boas recordações.
Mas começou a gritar de novo, e eu extremamente sem saber o
que fazer, intactamente perdida. Ela então apontou a arma para mim e com os
olhos cheios de lágrimas disse que eu não era digna de viver e que ia me matar.
Mas tremia muito.
Então eu disse, calmamente: - faça o que você quiser fazer.
Você tem algumas opções. A primeira é, passar a vida inteira recordando esse
momento e alimentando esse sentimento, mesmo sabendo que não será
correspondida, pois nem lembro o seu nome. A segunda opção é me odiar até os
últimos de seus dias ou até passar essa amargura, talvez nunca. E a terceira é,
viver os seus dias me amando e me odiando na mesma proporção, mas puxando esse
gatilho e acabando com a minha vida. Sinceramente, para mim qualquer uma dessas
alternativas, não faz diferença, to pronta para qualquer uma delas. Só falta você
estar preparada.
Ela então, embasbacada com a minha atitude, respondeu: - Mas
como assim? Você não presa pela sua vida.
Eu respondi: - olha moça, eu nem sei quem você é, não me
recordo de nada. E você está aqui apontando uma arma na minha cara, preste a
apertar o gatilho. Sabe por quê? Porque sou cafajeste, e mulher só se apaixona
por traste. Porque se eu tivesse lhe oferecido flores, bombons, taças de vinho
e meu coração. Você olharia na minha cara e diria, olha que bonitinho, gentileza
da sua parte. Depois pegaria flor, bombom, vinho e meu coração e jogaria no
primeiro lixo que encontrasse. Porque o amor dos homens é assim, ele só existe
no desprezo. No amor entre duas pessoas, uma delas tem que ser humilhada, essa
é a lei dos homens. Então, não espere que eu tenha piedade de você. Eu não dou
a mínima para o que você sente.
Ela ficou tão enfurecida comigo, que engatilhou o revolver e
apontou em minha direção.
Eu continuei: - Aprenda uma coisa, até pouco tempo eu
acreditava que o amor era a salvação. Tinha muito amor dentro de mim. Mas a
cada envolvimento, uma decepção. Uma parte do meu amor era desencorajado. Hoje
eu tenho certeza que, nessa dimensão não existe amor e nem poesia. Tudo isso
aqui é uma ilusão, é o show de Truman, é tudo uma mentira. E o que você vem
aprender aqui, é o quanto a falta de amor pode ser grande. Sozinho você nasce,
sozinha você vive e sozinha você morre.
A minha última frase com os olhos cheios de lágrimas foi: -
aperta esse gatilho, acaba logo com isso e me deixa voltar para o meu lar. To
cansada disso tudo. De todos vocês. De todos nós. Não aguento mais ficar aqui.
A minha alma é muito velha, é milenar e ela está cansada demais, precisa
descansar no seu lar de novo.
Depois gritei: - Vai garota chata, sua irritante, vai logo
ou será que é uma inútil.
Ela ficou muito brava e atirou em mim, no coração. As
pessoas ao redor ficaram todas perplexas e correram para me socorrer. Ela ficou
tão arrependida e convicta da minha morte, que colocou a arma na boca e atirou
nela também e se matando.
Eu via tudo muito confuso, as palavras não faziam muito
sentido, ouvia ecos, via vultos negros, seres horríveis. Meus olhos iam perdendo
força, sentia gosto de sangue na boca. Eu estava derretendo por dentro. Meu
coração estufava e esvaziava.
De repente eu estava num lugar escuro, via todas as maldades
inescrupulosas. Orgias, bebidas, gritaria, ganância, entre tantas outras
coisas. Eu queria morrer naquela hora. Eu gritava de medo, algumas coisas me
seguravam, vozes sussurravam no meu ouvido, algo como “você é minha”, eu suava
frio. Sentia muita dor. Queria morrer mesmo. Estava fraca e com fome mas não
conseguia comer. Um lugar horroroso e muito fedido, de embrulhar o estômago
mesmo.
Num momento de orgias e muita gritaria eu entrei em surto
psicótico e comecei a correr, mas só tinha lama, brejo, bosta, cheiro de
esgoto. Árvores secas e sem folhas. E eu gritava: - EU PRECISO SENTIR O
AMOR...EU PRECISO SENTIR O AMOOOOORRRR. Enquanto lágrimas rolavam na minha
face, como rios. E foi ai que eu ajoelhei em meio a lama, bostas e lixo e
comecei a recitar uma poesia:
Vem em mim silenciosa chama do fogo eterno
E transforma-te em borboleta para voar meu coração
Injeta em minhas veias entupidas de veneno
A sabedoria da bondade, da gentileza e da gratidão
Pegue-me pelas minhas asas quebradas como vidro
Me estrutura entre os chacras a força da união
Faz abrir em meu peito a flor que renasce no ferido
Desabrochar-se em silêncio por esse tenebroso chão.
Fazer arder dentro de mim a sua força e seu poder
Cria a forma perfeita, das cores vivas e do aroma das rosas
Derrama em mim o véu do amor incondicional e me faça crer
Que eu preciso me perdoar por minhas fraquezas
E assim compreendendo a vida e renascer!!!
E foi assim que recitei o Poema da Alma, me desmanchando em
lágrimas. Quando terminei o poema e abri os olhos, estava num gramado verde.
Numa paz e calma. Conversei com anciões do lugar, quase não tinham forma, eram
leves e brandos. Era de uma doçura ímpar. A gentileza estava a minha frente o
tempo todo.
Mas em nenhum momento eu me vi, ñ sei se eu era um homem ou
uma mulher, eu só sentia a minha essência, até no início do sonho eu não sabia o que ou quem eu era. Eu estava leve também, deslizava no
ar como borboleta.
Transmitiram-me muitos ensinamentos interessantes. Não
podemos deixar de acreditar no amor. Cada um de nós temos a maneira de
expressá-lo. Eu tenho a poesia, a escrita, o pensamento ordenado por palavras
gráficas que se pontuam perfeitamente quando por mim redigidas e não proferidas
de minha boca. Eu vim à essa dimensão para uma missão, para alguns resgates, um
deles é encorajar e dar esperanças...falar sobre o mundo que muitos não vê. O
mundo do coração, o universo do amor através da poesia.
Acordei chorando, e as lágrimas era uma mistura de
questionamentos que não quiseram me responder. Por quê é tão difícil? Por quê
tem que ser assim? E o que eu faço com todo esse amor dentro de mim? Como faço
para sentir menos dor de amor? Como faço para proliferar isso?
Mas não adianta perguntar assim, as respostas só virá no meu
caminhar, passo a passo. Na verdade, boa parte das minhas lágrimas, era de
querer ter ficado por lá, sem saber se era homem ou mulher...eu era apenas um
SER, cheio de pureza e de amor!
(Aline Gaia 17/10/2013)